Ler é uma experiência muito
particular, eu sempre digo, mas por esta frase ser muito vaga tentarei explicar
como formei esta opinião.
Fazendo uma compilação
rápida de tudo o que já pude ler sobre o assunto, parece que o cérebro humano
está o tempo todo avaliando informações e, grosso modo, tem três gavetas
principais: uma para reter o que não precisa ser lembrado; outra para reter o
que precisa ficar por algum tempo; e uma terceira, e mais importante, para
coisas a não esquecer. E há, dentre outras, duas maneiras dele reconhecer o que
seria guardado nesta terceira gaveta: coisas que se vive de um susto, como um
trauma por exemplo, ou idéias às quais chegamos através de intensa concentração.
E para treinar a capacidade de concentração e pensamento profundo a leitura é
um dos melhores (ou quem sabe até o único dos) meios, já que a palavra é o que
dá origem a tudo o mais. “Disse Deus: Haja luz; e houve luz.” (Gênesis 1:3).
Ainda duvida? Pense na seguinte situação: numa exposição de
quadros há telas com legendas explicativas e outras sem qualquer explicação.
Todas são abstratas. Após algum tempo observando o comportamento dos
visitantes, nota-se que as pessoas detêm-se mais tempo diante das telas sem
legendas, talvez, quem sabe, tentado tirar dali qualquer imagem. Elas apenas
passam pelas legendadas, como se não fosse necessário esforço algum. É que
explicação antecipada tira o prazer da descoberta e incentiva a visão apenas
superficial, treina as pessoas a aceitarem tudo sem questionar. Se a legenda
dizia ‘cão com círculo’, a pessoa identifica o cão, o círculo e põe a imagem do
quadro na gaveta número um e o cérebro sabe que em meio segundo, ou menos,
poderá dar lugar à próxima informação. Já os que não têm qualquer legenda
exigem que o visitante viaje, quem sabe, tentando tirar um significado do
quadro, passeando por lembranças de infância, resgatando cheiros, cores, tons,
formas e a imagem interpretada, única para cada um, causa um choque no cérebro,
um tipo de ‘insight’ e fica guardada na gaveta número três, a das experiências
duradouras que o cérebro se esforçará para não esquecer. Aí o cérebro sofre
fisicamente uma modificação. E essa mudança é justamente a particularidade que
falo, porque é pessoal, principalmente se o texto for poético ou literário,
textos concebidos, quem sabe, para gerar nos leitores uma tal reação: gerar seu
próprio mundo e imagens a partir das palavras que ali estão. Por isso ler
textos literários é importante, poesia muito mais, seja num e-reader ou no
papel, o que não tem muita diferença desde que o efeito seja a concentração, a
imersão na palavra escrita, o sumir-se nas estrelinhas, mergulhar no início de
um texto e só emergir no final, como ser novo e embebido de idéias que a
palavra cunhou. Ler é isso, um prazer e um desafio, sobretudo uma forma de
manter o cérebro ativo e exercitar a concentração.
© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.
Excelente, Helena! Nada a acrescentar.
ResponderExcluirObrigada, Ana, pelo comentário e pela companhia! ;-) Sim, ler é um hábito fantástico, sem exageros. Grande abraço, até!
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