segunda-feira, 10 de março de 2014

Por que gosto tanto de ler


Ler é uma experiência muito particular, eu sempre digo, mas por esta frase ser muito vaga tentarei explicar como formei esta opinião.

Fazendo uma compilação rápida de tudo o que já pude ler sobre o assunto, parece que o cérebro humano está o tempo todo avaliando informações e, grosso modo, tem três gavetas principais: uma para reter o que não precisa ser lembrado; outra para reter o que precisa ficar por algum tempo; e uma terceira, e mais importante, para coisas a não esquecer. E há, dentre outras, duas maneiras dele reconhecer o que seria guardado nesta terceira gaveta: coisas que se vive de um susto, como um trauma por exemplo, ou idéias às quais chegamos através de intensa concentração. E para treinar a capacidade de concentração e pensamento profundo a leitura é um dos melhores (ou quem sabe até o único dos) meios, já que a palavra é o que dá origem a tudo o mais. “Disse Deus: Haja luz; e houve luz.” (Gênesis 1:3).

Ainda duvida? Pense na seguinte situação: numa exposição de quadros há telas com legendas explicativas e outras sem qualquer explicação. Todas são abstratas. Após algum tempo observando o comportamento dos visitantes, nota-se que as pessoas detêm-se mais tempo diante das telas sem legendas, talvez, quem sabe, tentado tirar dali qualquer imagem. Elas apenas passam pelas legendadas, como se não fosse necessário esforço algum. É que explicação antecipada tira o prazer da descoberta e incentiva a visão apenas superficial, treina as pessoas a aceitarem tudo sem questionar. Se a legenda dizia ‘cão com círculo’, a pessoa identifica o cão, o círculo e põe a imagem do quadro na gaveta número um e o cérebro sabe que em meio segundo, ou menos, poderá dar lugar à próxima informação. Já os que não têm qualquer legenda exigem que o visitante viaje, quem sabe, tentando tirar um significado do quadro, passeando por lembranças de infância, resgatando cheiros, cores, tons, formas e a imagem interpretada, única para cada um, causa um choque no cérebro, um tipo de ‘insight’ e fica guardada na gaveta número três, a das experiências duradouras que o cérebro se esforçará para não esquecer. Aí o cérebro sofre fisicamente uma modificação. E essa mudança é justamente a particularidade que falo, porque é pessoal, principalmente se o texto for poético ou literário, textos concebidos, quem sabe, para gerar nos leitores uma tal reação: gerar seu próprio mundo e imagens a partir das palavras que ali estão. Por isso ler textos literários é importante, poesia muito mais, seja num e-reader ou no papel, o que não tem muita diferença desde que o efeito seja a concentração, a imersão na palavra escrita, o sumir-se nas estrelinhas, mergulhar no início de um texto e só emergir no final, como ser novo e embebido de idéias que a palavra cunhou. Ler é isso, um prazer e um desafio, sobretudo uma forma de manter o cérebro ativo e exercitar a concentração.




© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

2 comentários:

  1. Excelente, Helena! Nada a acrescentar.

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    1. Obrigada, Ana, pelo comentário e pela companhia! ;-) Sim, ler é um hábito fantástico, sem exageros. Grande abraço, até!

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