segunda-feira, 21 de julho de 2014

Diário de um Zé Ninguém



Diário de um Zé Ninguém, Rafael Castellar das Neves, Ebook, Edição do Autor, 125 páginas.

Uma fotografia sensível e realista da vida de moradores de rua numa grande cidade. Trata-se de um monólogo, o que é sempre um risco e ao mesmo tempo um grande desafio para qualquer escritora ou escritor. Há várias passagens interessantes e comoventes, vale a pena ler. Considerando-se as notórias dificuldades para se escrever um bom romance na atualidade, e sendo esta uma dos primeiras publicações deste jovem autor, o resultado pareceu-me bastante interessante. Se a forma da narrativa vier a decepcionar qualquer leitor muito mais exigente, estou certa de que o teor da mensagem garantirá o tempo investido na leitura e a recomendação. Leia e tire suas próprias conclusões.

Avaliação: Regular + (Entre Regular e Bom).

© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

Antes que eu morra



Antes que eu morra, Luis Erlanger, Editora Record, Ebook, 2014, 653 páginas.


Talvez este livro atraia mais atenção por conta das salpicadas questões de escândalos políticos, pela forma da narrativa e pelos aspectos experimentais que possa vir a levantar do que pela própria história, já que cabem várias interpretações, incluindo as intenções do texto. A estrutura de monólogo é sempre um risco e um grande desafio por conta do 'monotom'. Li uma versão em Ebook, comprei porque fui seduzida pela amostra, que só continha o capítulo inicial, que é fantástico aliás. Mas quando comecei a ler o segundo capítulo, que é quando o protagonista toma a palavra e não devolve mais, tive a sensação de ter comprado gato-por-lebre, parecia até que estava lendo um texto totalmente diferente daquele da amostra. Bem, talvez a história tivesse sido mais interessante (para mim!) se narrada pelo psiquiatra, mas... Há muitas partes engraçadas; há outras que eu achei bastante apelativas e totalmente desnecessárias (para o meu gosto pessoal, que fique bem claro), mas há quem goste. Eu não gosto de gente 'gabola', vai ver por isso não simpatizei com o protagonista. Tirando o meio, gostei do primeiro capítulo e do epílogo, quando se tem a vaga impressão de que as coisas 'até fecham', mesmo assim a pulga atrás da orelha permaneceu.  Bem, não há livro que não tenha pelo menos algo de bom, portanto: leia e tire suas próprias conclusões.



Avaliação: Regular + (Entre Regular e Bom).


© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

sexta-feira, 11 de julho de 2014

ACONTECE TODOS OS DIAS



ACONTECE TODOS OS DIAS, Heitor Herculano Dias, 246 páginas, publicação indenpendete, romance, Ebook

Busco alternar a leitura de clássicos e autores já consagrados com a leitura de novos autores, principalmente daqueles que vêem publicando seus livros de forma independente. E dou valor ao que se publica por conta própria porque, para mim, essa é uma forma de ir contra a crua realidade do mercado editorial, ou seja, o tratamento do livro como mercadoria, o que obriga editoras a recusarem a publicação de tudo aquilo que supostamente ‘não vai vender’.

Foi assim que cheguei na primeira versão de A Cidade dos Sete Mares, recentemente lançado em versão impressa, à leitura de Para Sempre Ana, Diário de um Zé Ninguém e, agora ao ebook ACONTECE TODOS OS DIAS, de Heitor Herculano Dias, que está disponível na Amazon. Heitor enviou-me ano passado uma versão em PDF, que pus em minha lista de leituras para este ano. (Obrigada, Heitor, pela gentileza do envio).

O livro traz uma história bastante convincente. Os acontecimentos são narrados linearmente porém de um modo que gera um certo suspense e prende o leitor do começo ao final, sem cansá-lo. Ainda que se possa facilmente ter uma idéia do rumo que as coisas vão tomando, a narrativa surpreende em ‘como’ a suspeita se concretiza, e isso faz com que se siga tranquila e prazerosamente a leitura até o fim, com um final que, para mim, ficou no ponto certo e serviu de campo fértil para a reflexão.

Terminei a leitura e fiquei pensando que muitas vezes é necessário se recorrer à ficção para poder falar de uma realidade que ninguém quer encarar, a gente vai ‘vivendo’ e ‘fazendo de conta’ que não está acontecendo nada tão grave ao nosso redor, e eu tenho a impressão de que essa capacidade de ‘não-olhar’ é um mecanismo claro de defesa que tivemos de desenvolver para que a vida siga, até que alguma dessas coisas que só acontecem com os outros, TODOS OS DIAS, aconteça UM DIA conosco e nos cause um ‘duro’ despertar, se é que saímos vivos da coisa, é claro.

É uma história que poderá causar incômodo pois leva a pensar no que seria este estado 'inclassificável’, dado que ‘caótico’ não é  nem de longe um adjetivo adequado para explicar o terror e as condições em que estão colocados, TODOS OS DIAS, os habitantes de uma cidade grande e violenta como o Rio de Janeiro.

As mentalidades, os sentimentos e os preconceitos estão bem caracterizados nos personagens e suas ações;  está tudo ali, ao alcance de quem quiser ver ou reconhecer-se, daí o incômodo que (penso) alguns leitores poderão sentir.

Achei a linguagem elegante e bastante acessível. Com isso quero dizer que ela não se rebaixa à pobreza de expressões do dia-a-dia nem chega a tocar a arrogância dos arcaísmos. Manteve-se em equilíbrio com a contemporaneidade e talvez por isso consiga ‘conversar’ com vários públicos – hoje em dia é raro quem consegue contar uma história de maneira simples, clara, livre de gírias em excesso ou mesmo do coloquial ‘mal-empregado’, como se tem visto frequentemente em textos de autores mais jovens, ao que eu chamo de ‘falta de trabalho e zelo’ com a linguagem. As falhas encontradas no texto são claramente de editoração, nada que possa colocar em dúvida a competência narrativa e lingüística do autor.

Digo isto porque, infelizmente, há muitos autores que vêem publicando sob o rótulo ‘independente’ e que, parece, não dão muito valor à correção gramatical e ortográfica de seus textos. Tudo bem, errar é humano, mas determinados tipos de erros podem levar um leitor a decidir fechar um livro e não querer voltar a abri-lo nunca mais. E isso só reforça o mito de que tudo o que é publicado de modo independe não é bom nem confiável.

Este, definitivamente, não é o caso deste livro do Heitor. Este é um ebook que tem notadamente qualidade, a história é boa e merece apreciação. Eu gostei bastante, e assim sendo: recomendo.

Um trecho do livro, além da amostra na Amazon, foi publicado em forma de conto no blog SemVergonha de Contar.


Avaliação: Bom/Muito Bom (Bom+)


© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

terça-feira, 8 de julho de 2014

Uma Duas



 Uma Duas, Eliane Brum, Leya, 177 páginas, Ebook

Um comentário no blog O batom de Clarice chamou minha atenção para este título, mas o que me fez de fato decidir pela leitura foram as primeiras páginas do ebook, uma amostra que como 'amostra' funciona muito bem: fisga e convida a continuar. 

A linguagem flui, a leitura desliza, é o ser humano exposto nas suas psiquês e psicoses do dia-a-dia, o que pode não agradar a alguns, mas eu gostei da experiência, bastante. 

Não, não é um livro para ser relido, embora traga algumas passagens ‘atemporais’, mas é um livro para ser devorado, numa leitura só, intensa e sangrenta, uma leitura-tapa, leitura nocaute. Duvido que alguém que também escreva não dê valor à fluência da linguagem neste livro, mesmo que não queira reconhecer. Li a amostra e não quis parar de ler até o fim, obriguei-me a comprar um exemplar, a seguir a viagem até o ponto final. Acho que um texto vivo e uma amostra que PARLA! é a melhor propaganda que um livro pode fazer de si. 

No contexto de todos os livros já lidos eu diria que é um bom livro, mas no quesito fluência e linguagem o texto é dez, portanto...

Avaliação: Ótimo!


Só uma coisinha:

"Alguns dias depois, eu acordei naquela cama e não reconheci mais meu corpo nem o dela. Eu gritava que tinha virado uma barata gigante e eu ainda não tinha lido Kafka." Página 64.

A propósito da barata, só sei que no original (em Alemão) de A Metamorfose o 'inseto monstruoso' de Kafka permanece indefinido. Onde será que começou essa (coletiva? falsa?) associação com 'barata'? Mistério, mistério... ¡Y la cucaracha sigue!   ;-)




© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Angústia



Angústia, Graciliano Ramos, 120a Edição, Editora Record, Ebook, 445 páginas.

O romance mesmo vai até a página 376, o restante do livro é composto por um posfácio (que eu ainda não li, pois só me interessei pelo texto principal) e informações sobre vida e obra do autor.

Pois é, estava numa sala de espera quietinha lendo um livro até que chegaram três pessoas sem senso de comunidade: começaram a conversar num volume de voz tão elevado que não consegui mais acompanhar a leitura que eu vinha fazendo, comecei a divagar, a me perder na narrativa, a voltar parágrafos... daí pensei: cara, eu preciso de um texto tão forte que seja capaz de me levar daqui e que me envolva tanto que eu esqueça esta sala pequena e abafada cheia de vozes que falam de coisas que não me interessa um conto saber. E esse livro foi Angústia, de Graciliano. Baixei a amostra e comecei a ler na hora, e para minha completa felicidade não consegui mais parar, comprei um exemplar e devorei num instante.

Eis um comentário que escrevi durante a leitura, para registro de sensações:

Um livro que chega a causar dor a gente ter de interromper a leitura para fazer o que quer que seja. É assim que eu estou com Angústia, de Graciliano Ramos: desde a primeira frase é uma luta quando tenho de interromper a leitura, o texto me puxa, me prende, me envolve, me chama e me deixa besta não sei por quê. Estou devorando, há muito tempo um texto não me pegava desse jeito, assim, de lado e de banda. É prosa ótima, daquelas que eu me pergunto: Meu Deus, será que um dia vou conseguir arrancar de dentro de mim uma narrativa forte e viva desse jeito e ao mesmo tempo tão natural? Não falo com inveja, nunca! Falo com admiração, e muita! Salve, Graciliano! Falta pouco para chegar ao final... que angústia louca, boa e má pois que pena que termina, mas não consigo parar e ao mesmo tempo não quero que acabe. Ai...

Acabou e eu fiquei com gosto de quero-mais, meu plano é ler Caetés, daqui mais cum pouca.

Aproveitando a chance, não é que tenho a mesma impressão?...

“Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos. Passo adiante de uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho a impressão de que se acham ali pessoas exibindo títulos e preços nos rostos, vendendo-se. É uma espécie de prostituição. Um sujeito chega, atenta, encolhendo os ombros ou estirando o beiço, naqueles desconhecidos que se amontoam por detrás do vidro. Outro larga uma opinião à toa. Basbaques escutam, saem. E os autores, resignados, mostram as letras e os algarismos, oferecendo-se como as mulheres da rua da Lama.” Páginas 6-7, Angústia, Graciliano Ramos.


Avaliação: Ótimo cum Lauda!


© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Vidas secas



Vidas secas, Graciliano Ramos, 120° Edição, Editora Record, 2013, Ebook, 217 páginas

O romance mesmo só vai até a página 152, depois vem um posfácio (de Hermenegildo Bastos) e informações sobre vida e obra do autor.

Este é um título que há muito tempo eu queria ter lido, mas só agora pudemos nos encontrar. De certa forma eu já sabia que se tratava de uma história de retirantes, que se tratava de injustiças, descasos, da visão crítica de um universo duro tão familiar a quem veio daquela região ou próximo, como eu. 

A leitura deste texto, antes de qualquer coisa, proporcionou-me uma viagem muito realista a lugares e costumes sertanejos, a recordar várias coisas, principalmente a existência de problemas que ainda hoje, e diante de tanta tecnologia e 'desenvolvimento', seguem iguais ao retratado no livro, muito provavelmente por falta de verdadeira boa-vontade política: a falta de estudo da população, o problema da seca, o ter de deixar a própria terra por falta de oportunidades, o passar a vida inteira sendo explorado e cuidando de coisas alheias, a falta de dignidade: 


“(...) ele não era um homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. (...), e consumira a existência em submissão, (...), quem é do chão não se trepa. (...) Passar a vida inteira assim no toco, entregando o que era dele de mão beijada! Estava direito aquilo? (...) O patrão zangou-se, repeliu a insolência, achou bom que o vaqueiro fosse procurar serviço noutra fazenda. Aí Fabiano baixou a pancada e amunhecou.”

Pois é, Fabiano, “quem é do chão não se trepa.” Mas, será verdade? Deixa eu te dar uma cartilha, Fabiano, deixa eu te ensinar a ler, a fazer contas, a ver que os ricos sem o teu trabalho não podem viver e tu verás a tua força, e subirás aos céus, ainda que seja morto, mas serás um homem consciente do que és. Pois como tu mesmo pensaste: “Sinha Terta é que se explicava como gente de rua. Muito bom uma criatura ser assim, ter recurso para se defender. Ele não tinha. Se tivesse, não viveria naquele estado.” Eu também acho que é assim...

Eu li esse livro num fluxo, para relaxar da leitura de um outro, e ao terminá-lo já havia me decidido a buscar outro livro de Graciliano. Na minha humilde opinião de leitora, se um livro leva à leitura de outros, essa é a melhor propaganda de si que ele pode fazer e por aqui paro. Leia sim, não arde, e pode deixar sua visão de mundo um pouco menos egoísta.

Avaliação: Ótimo!




© 2014 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.