quinta-feira, 28 de julho de 2016

Olhei para o Minimoabismo... e "ele" olhou de volta para mim, claro!

Minimoabismo, de Priscila Merizzio, Editora Patuá

Sempre que leio um livro evito pós- e prefácios e busco concentrar-me de início só no texto primário. Ao longo da leitura faço anotações, registro emoções e impressões que o texto me causou. E só de posse de uma idéia própria passo à leitura de outras opiniões. 

E na leitura de Minimoabismo, de Priscila Merizzio, grande foi minha alegria encontrar no posfácio uma análise que corroborou as minhas impressões, que foram as seguintes: 

Quanto mais contato o leitor ou a leitora tiver tido com as mais diversas formas de arte, e com distintas filosofias, creio que mais diálogos ele ou ela poderá estabelecer com os poemas deste livro. Não digo que seja um diálogo fácil, mas com certeza será um diálogo muito rico, porque os poemas neste livro revelam um tipo de poesia que parece vestida de leviandade mas que na verdade leva ao questionamento o tempo todo. Não são poemas para se contemplar e dizer "que lindos!", são poemas que uma vez lidos, com atenção ou não, seguem no inconsciente, incomodando, servindo de combustível à máquina da construção e geram ricas imagens, até mesmo pelas fugas do padrão. 

Durante a leitura imaginei várias performances e movimentos, senti-me como se estivesse percorrendo uma galeria de arte moderna, onde arte não se explica nem se pretende, apenas se sente e se experimenta somente, e amei essa sensação subversiva. No início do livro a autora sugere alguns acompanhamentos musicais com os quais se deve ler os poemas. Eu escolhi Chopin, mas tentarei releituras com as outras sugestões, que são: Nick Drake, Françoise Hardy, Patti Smith, Lhasa de Sela, e as trilhas sonoras de Michael Nyman.

Talvez por essa relação com a música eu tenha notado algo interessante: cada poema é independente, porém em conjunto observa-se que versos específicos, adicionados ao componente musical, permitem ao leitor construir poemas próprios, o que gera na cabeça um efeito que se pode tentar definir como  tridimensional, um efeito parecido ao produzido pelas peças para coral de Palestrina.

Resumindo: pareceu-se ser uma poesia fortemente calcada no símbolo, com temática na dor, na existência e na interação com outras formas de arte, uma poesia que de propósito se aparta e se define como „bicho outsider da manada“, uma poesia de resistência, social, crítica, feminista e trans;  uma poesia com „animus adolescente“, porém madura para Morpheus e outros da mitologia, uma poesia que em sua aridez é surpreendentemente elegante „crivada de Swarovskis“ e que em essência é bílis servida em taça de café. E para quem não vive sem a lírica tradicional fica ainda, do poético-eu, o beijo da psicótica Perséfone. Gostei bastante da experiência e recomendo.

Ah, antes que me esqueça: foi uma agradável surpresa descobrir que editoras brasileiras (como a Patuá) estão dando espaço para textos com uma veia mais artística que comercial. Bravo! Uma esperança para quem já está cansado(a) de entrar em livrarias e nada encontrar de novo e interessante para levar para casa.

Agora, um pedacinho só, pra salivar:

borralho 

jaz ali uma centelha lasciva 
estuprada pelo cara mais velho
e jogada à necrópole das meninas 
que trocaram a candura por rugas 

Minimoabismo, Priscila Merizzio, Editora Patuá, página 25.




© 2014-2016 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

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