quarta-feira, 2 de maio de 2018

Jovem poeta maranhense surpreende com outras formas de o amor ver


Pois é, mea culpa por não ter lido este livro antes, mea culpa por ter me privado do prazer!

Falo do segundo livro do poeta maranhense Antonio Sodré, (Des) Amores, publicado em 2017 sob o selo da editora Penalux.

Mea culpa por não havê-lo lido no mesmo dia em que o recebi. Pois teria tido o êxtase antes. Ou não. É que, como o vinho, poesia eu não degusto sem ritual. Não posso. Há que se formar toda uma atmosfera e tempo e ambiente para a degustação de versos, há que se esperar aquele momento em que se encaixam melhor as constelações, aquele instante propício em que um livro nos convida ao prazer do descobrimento. Poesia é algo que não dá pra ler em qualquer lugar, com pressa, é preciso a companhia do silêncio e a cumplicidade do desejo de entregar-se à sedução da linguagem.

Como alguém que se atreve a engendrar versos de quando em vez, bem sei o quanto é difícil tratar deste tema tão (des)gastado: o amor. Por isso mesmo digo que não consigo escrever poemas desse tipo, tenho um bloqueio natural. Freud que explique! Por conta disso admiro tanto e festejo aqueles que conseguem jogar com esse tema fugindo de qualquer melosidade viscosa (pleonasmo intencional).

Este segundo livro de Antonio Sodré é uma surpresa literária porque trata do tema mais comum da humanidade com tanta maturidade e elegância, que passamos 64 páginas pensando nesse sentimento sem lembrar dos sentidos mais clichês da palavra amar, e não é à toa que chegamos ao final com a constatação de que "há sempre mais para entender sobre o amor" porque, sobretudo no fim, é que ele revela os "singulares romantismos plurais", palavras que tão bem marcam a composição do volume. 

Eu bem poderia seguir neste comentário destacando a qualidade literária dos poemas que compõem este livro, para no final dizer que concordo em gênero, grau, número e flor da pele com as observações do prefácio escrito por Carvalho Junior, que eu deixei para ler no final para ver se nossas opiniões sobre os poemas convergiam após a minha leitura. E convergiram. Muito. Até nas vírgulas! Carvalho Junior, poeta maranhense que vem obtendo cada vez mais reconhecimento por seu esmerado labor lírico, sabe muito bem do que fala: "Antonio Sodré é desses poetas que bem conhecem as interpenetrações do silêncio e possui uma capacidade finíssima de trazer dos abismos mais secretos, pedras extraordinárias e delirantes de sangue literário".

Isso acontece também com aqueles poetas de espírito antigo, que ainda trocam cartas e escrevem literalmente à mão, sentindo as palavras, cada uma ao desnudar-se.

Poesia sensinteligente (sensível e inteligente) pra sentir e fazer pensar.


























(Des) Amores, Antonio Sodré, editora Penalux, 2017, 64 páginas.

Busque, encontre e leia: não se prive deste prazer!

Uma amostra:

FOME

Não vês, minha solidão é a alegria que guardo.
Sou feliz e triste nesse espaço de construir castelos
moradas subterrâneas.

Não vês, nomeio os seres que têm nome
dou forma às coisas que têm forma
sepulto a uma segunda morte
a perecível parte que nos cabe.

Não vês, a sensível outra realidade que transborda
nesses lapsos de esquecimento entre certo e errado
entre a razão e a loucura.

Não vês, eu enxergo o vazio entre as nuvens por teus olhos
o adeus que nos acena todas as manhãs
a distância que se aproxima de nossos corpos.

E se volta, motivado pela fome, qualquer fome
já não sabes meu segundo nome
e a textura da comida é tua única urgência.

Esqueceste de tuas outras fomes
e em vão me alimenta de teus lógicos vazios...

(Des) Amores, Antonio Sodré, página 22.



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