domingo, 2 de abril de 2023

Kim de L’Horizon - Blutbuch



Blut significa "sangue“. Buch significa "livro“. Ainda assim não estou segura se posso dizer que uma boa tradução para o título desse livro seria "Livro de Sangue“. Também porque existe uma árvore que se chama "Blutbuche", que tem um papel muito importante nas histórias desse livro.


Sim, é um livro que trata de tradução, mas não de tradução, exatamente, em termos técnicos ou ensaísticos. É um livro que surge da tradução: de palavras, de silêncios, de linguagens que brotam do que não pode ou não deve ser dito, de dialetos que são menosprezados por falantes de línguas de ninguém, que são as línguas padrão, as línguas-standard, aquelas que regem os enunciados chamados "cultos“, aquelas que quem as usam se pensam e se acham "mais, muito mais“, por acharem que dominam o padrão quando, na verdade, o padrão não passa de uma língua nunca usada (sempre) corretamente, porque não é uma língua natural, é uma invenção que anda de braços dados com o império e a política, com a visão de grupos que têm prestígio para criar as "normas cultas" do mundo. Sim, esse livro é um desafio para qualquer um que traduz.


Assim que esse texto de Kim de L’Horizon, uma pessoa não binária, é um tipo de manifesto pelo uso corporal (sincero, umbilical) das línguas, pelo uso das linguagens; é um manifesto para que os corpos falem do que realmente sentem, ainda que seus discursos nos firam, que não nos sejam agradáveis aos ouvidos, que nos incomodem, que nos digam o óbvio algumas vezes, ou até nos entediem com a sua riqueza de detalhes. 


Esse livro ganhou, em 2022, um prêmio literário muito importante no contexto de livros escritos em língua alemã, o Deutscher Buchpreis (Prêmio do Livro Alemão). E ganhou na categoria de Romance do Ano. Sinto que muito mereceu, o prêmio e a atenção que recebeu, sobretudo a dos meus olhos e ouvidos e sentidos demais.


A pessoa que nos narra também se chama Kim, e há muitas evidências no texto de que se trate de autoficção ou autobiografia, mas tudo o que escrevemos, tudo, é autobiográfico e autoficção em alguma medida. Esses conceitos literários são escorregadios como "bagre ensaboado“, então é melhor deixá-los de lado nessa simples nota de leitura que aqui faço. 


Ainda estou sob o efeito da leitura desse texto sui generis, e não sinto facilidade em escrever sobre ele, porque o livro ainda não terminou de mexer comigo, pelo menos não em uma medida que algo tenha sido já decantado, a ponto de virar uma resenha que valha a pena a quem a alma não for pequena. 


Só posso recomendar que o leiam, porque é literatura viva, porque a busca da pessoa que narra e protagoniza muitas das histórias nesse livro é uma busca que leva junto a pessoa que o está lendo. A pessoa que narra se atira no abismo do ser e das árvores genealógicas (árvores de sangue) com uma corda amarrada à cintura da criatura que a está lendo. E deixar-se puxar para esse abismo, para mim, não foi uma experiência ruim, muito pelo contrário. 


Em suma: é um livro de sensações, cada pessoa tem que ler para "sentir“, sobretudo "sentir" o corpo pesando ou levitando ou gritando, por vezes, de dor. Aceite o desafio: é um abismo profundo que nos leva a uma viagem de sangue por corpos e genealogias de gentes e árvores, que querem de verdade saber de si, e dos outros. 


Eis o que escrevi na contracapa enquanto o lia: "Para se brincar com a língua desse jeito é preciso ter uma competência enorme; para poder mergulhar em si desse jeito é preciso ter uma coragem ainda maior“.



Kim de L’Horizon, Blutbuch, Dumont, 334 páginas.





© 2014-2023 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Dois mil e vinte dois trocado em letras

Para que não digam que não falei das leituras do ano que acabou de passar :-)


  1. Bonequinha de Lixo, romance da gaúcha Helena Terra. 
  2. Mrs Dalloway, romance de Virgínia Woolf.
  3. Hífen, romance da portuguesa Patrícia Portela. 
  4. Harry Potter e o Enigma do Príncipe, fantasia de J.K. Rowling – leitura feita com a Bê.
  5. Harry Potter e as Relíquias da Morte, fantasia de J.K. Rowling. – leitura feita com a Bê. 
  6. Every, romance de Dave Eggers, continuação de O Círculo.
  7. El secreto dei orfebre, romance da catalana Elia Barceló. 
  8. Girl, Woman, Other, romance da autora negra britânica Bernardine Evaristo.
  9. La parábola del sembrador, distopia da maravilhosa Octavia Butler.
  10. Pan de limón com semillas de amapola, romance da espanhola Cristina Campos.
  11. La parábola de los talentos, continuação da distopia La parábola del sembrador, de Octavia Butler.
  12. Isabel - Emperatriz de Austria, biografia escrita por Karl Tschuppik.
  13. Kramp, romance da chilena María José Ferrada. 
  14. Torto Arado, romance de Itamar Vieira Júnior. 
  15. Antologia Mañana Todavía, organizada por Ricard Ruiz Garzón. Nela estão os seguintes contos: WeKids (Laura Gallego), Al garete (Emilio Bueso), 2084. Después de la Revolución (Elia Barceló), Instrucciones para cambiar el mundo (Félix J. Palma), El error (Rosa Montero), Limpieza de Sangre (Juan Miguel Aguillera), Camp Century (Marc Pastor), En el ático (Rodolfo Martínez), La Inteligencia Definitiva (José María Merino), Gracia (Susana Valejo), Colapso (Juan Jacinto Muñoz Rengel) e Los centinelas del tiempo (Javier Negrete).
  16. La Edad de la Inocencia, romance de Edith Wharton.
  17. Parentesco (ou Kindred), romance da maravilhosa Octavia Buttler
  18. O olho mais azul, romance da grandiosa Tony Morrison.
  19. Modos inacabados de morrer, romance do gaúcho André Timm.
  20. El Lugar, romance-ensaio da francesa Annie Ernaux.
  21. Mozart, biografia escrita por Wendy Thompson. 

 

Fora esses títulos, li vários contos e trechos de romances escritos por mulheres para o projeto Fantástico Feminino no Youtube. Aqui uma lista com alguns nomes:

 

  1. Leitura do conto "Corpo escuro", de Jarid Arraes (cordel).
  2. Leitura do conto "O caminho para Yris", de Evelyn Postali.
  3. Leitura de trecho de "A telepatia são os outros" (2018), de Ana Rüsche.
  4. Leitura do conto "Nascida velha", de Mariana Albuquerque.
  5. Leitura do conto "Mortos en mármore" (1887), de Edith Nesbit.
  6. Leitura de trecho de "O ovo do tempo" (19909, de Finisia Fideli.
  7. Leitura do conto "Napoleão e o espectro" (1833), de Charlotte Bronte.
  8. Leitura do conto "A princesa que ria rosas" (2018), de Susana Ventura.
  9. Leitura do conto "Bichos escrotos", de Irka Barrios.
  10. Leitura de trecho de "Cristo Radioativo" (2018), de Ana Luísa Abreu.
  11. Leitura do conto "O coche fantasma" (1864), de Amelia B. Edwards.
  12. Leitura do conto "Percival" (2016), de Michele Calliari Marchese.
  13. Trecho de "O Conto da Velha Ama" (1852), de Elizabeth Gaskell.
  14. Trecho de "O poder" (2016), de Naomi Alderman.
  15. Trecho de "O auto da maga Josefa" (2021), de Paola Siviero.
  16. Trecho de "A sombra da morte" (1879), de Mary Elizabeth Braddon
  17. Leitura do conto "Amor fortemente elíptico" (2015), de Marta Preuss.
  18. Leitura de trecho de "Semana Santa", de Cotidiano (2019), de Mariana Travacio.
  19. Leitura de trecho de "Zona de clivagem" (1990), Liliana Heker.
  20. Leitura de trecho de "Amor dure" (1887), de Vernon Lee.
  21. Leitura de trecho de "Metrópole: Caos" (2018), de Melissa de Sá.
  22. Leitura de trecho de "Onde o fogo não se apaga" (1923), de May Sinclair.
  23. Leitura de trecho de "A maldição da morta" (1920), de Henrietta Dorothy Everett.
  24. Leitura de trecho de "Vida vampira: um romance queer chic - livro 3" (2018), de Ju Lund.
  25. Leitura de "O conto da corajosa Bradamante e seu incrível cavalo voador" (2021), de Anita Ganeri.
  26. Leitura de trecho de "A fortaleza: mundo sombrio"(2015), de Day Fernandes.
  27. Leitura de trecho de "A parábola do semeador"(1991), de Octavia Butler
  28. Leitura de trecho de "Estilhaça-me" (2011), de Tahere Mafi.
  29. Leitura de trecho de "Desmemória" (2020), de Thalita Saldanha Coelho.
  30. Leitura de trecho de "Mandíbula" (2018), de Mónica Ojeda.
  31. Leitura de trecho de "O fantasma de Cora" (2022), de Fernanda Castro.
  32. Leitura do conto "De saltos altos ou borrão", de Paula Giannini.
  33. Leitura de trecho de "Gideon, a Nona: Saga do túmulo trancafiado", de Tamsyn Muir.
  34. Leitura de trecho de "A jóia da alma", de Karen Soarele.
  35. Leitura do conto "Azul", de Karen Alvares (Horror em gotas).
  36. Leitura de trecho de "Gosma rosa", de Fernanda Trías. 
  37. Leitura de trecho do conto "V.E.R.N.E e o farol de Dover", de Dana Guedes.
  38. Trecho do romance "Orlando: uma biografia", de Virginia Woolf.
  39. Leitura de trecho de "O conto da deusa", de Natsuo Kirino.
  40. Trecho de "Os ensinamentos da menina Senhora Luandê", de Caena Rodrigues Conceição.
  41. Leitura do conto "A dama das trevas" (1850), de Senhora S.C. Hall (Anna Maria Hall).
  42. Leitura de trecho de "Despertar", de Octavia Butler.
  43. Leitura do conto "Vestida de Sangue", de Dinah Silveira de Queiroz


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