terça-feira, 24 de março de 2020

Amanhã vai ser maior - Rosana Pinheiro-Machado

Quer ter uma visão bastante clara do que levou o Brasil a eleger um governo fascista em pleno século XXI? 
Pois leia este livro!
E ao lê-lo descubra, caso ainda não saiba, como a Antropologia também nos ajuda a compreender as sociedades atuais.
Uma leitura que me acrescentou muitíssimo e me ajudou a enxergar que há muito mais resistência do que se imagina, e muitas, muitíssimas formas de lutar e seguir resistindo.

Rosana Pinheiro-Machado, Amanhã vai ser maior, Editora Planeta, 338 páginas (Edição em Ebook)

"Transferir o sonho de um mundo melhor para o futuro é uma posição cômoda. Construir o futuro melhor todos os dias em meio à imperfeição da coletividade e de seus sujeitos é muito menos confortável. A catástrofe dos dias de hoje não pode nos imobilizar" (página 320, Edição em Ebook).

Começar a aceitar a "imperfeição da coletividade" e assumir a imprescindível tarefa do trabalho de base já é uma forma de começar - ou recomeçar.


© 2014-2020 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

domingo, 15 de março de 2020

Der Cellist von Sarajevo, Steven Galloway



















Eu sempre digo que eu não procuro os livros que leio, são os livros que me procuram (e encontram).
Acabei de ler um romance que se passa em Sarajevo, na época da guerra. E pensar que essa guerra aconteceu ali, nos anos 1990, nem faz muito tempo... 
Foi o horror, as pessoas sendo caçadas pelas ruas por franco-atiradores. Uma fila de gente faminta diante de uma padaria, para conseguir o escasso pão de cada dia, quando alguém joga uma granada... Uma só não; duas, três, quatro... enquanto houver ainda gente de pé, sem ser despedaçada, as granadas seguem caindo. 
Eu li a história e fiquei horrorizada, ainda mais por ver que não está muito distante do que estamos vivendo hoje em muitos lugares. 
O que eu quero compartilhar em especial é este trecho aqui:
"Denn die Zivilisation ist keine Sache, die man aufbaut und dann für immer hat. Man muss ständig an ihr bauen, sie tagtäglich wiedererschaffen. Sie verschwindet weitaus schneller, als er es jemals für möglich gehalten hätte. Und wenn er leben will, dann muss er alles in seiner Macht Stehende tun, um zu verhindern, dass die Welt, in der er leben möchte, untergeht. Solange Krieg herrscht, ist das Leben eine Präventivmaßnahme."
Tradução livre e adaptada:
"Porque a civilização não é uma coisa que se constrói e ela assim se mantém para sempre. É preciso construí-la constantemente, todos os dias é preciso reinventá-la. Ela pode desaparecer num piscar de olhos, como se ninguém imaginasse que tal coisa fosse possível. E se desejamos viver, temos que fazer tudo o que pudermos para evitar que esse mundo (civilizado), no qual desejamos viver, desapareça. Enquanto reinar a guerra a vida se resume a um ato preventivo."
Trecho do livro "Der Cellist von Sarajevo", de Steven Galloway, editora Luchterhand, páginas 227-228.
Então é o seguinte: se quisermos viver num mundo civilizado, vamos ter que lutar pela civilização até o fim dos nossos dias. Não há outro caminho. Ela desaparece num piscar de olhos, muito mais rápido do que se possa imaginar.


© 2014-2020 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

Die einzige Geschichte, Julian Barnes

























A intenção de gerar desconfiança ou dúvida sobre o que neste livro é narrado está presente desde o título.
Traduzido ao português, Die einzige Geschichte seria algo como A única (versão da) história, ou A verdadeira história, A verdadeira versão da história, destaque sempre para o "a", artigo determinado.
E depois de ter lido o romance de Steven Galloway - Der Cellist von Sarajevo - está claro que nunca se saberá qual das tantas versões (falsas) da História virou "a" História verdadeira oficial.
Isso significa que não há verdade na História? Não, isso significa apenas que não há uma única verdade, e sim que há muitas! Significa também que nada é assim tão simples de ser entendido ou explicado. Nada é tão simples como tantos desejam.
É uma rede de coisas que se enredam e se influenciam mutuamente que acabam gerando uma determinada situação.
Aliás, se tem uma verdade em toda a História é que a única mentira que se pode identificar logo de cara é a de que os eventos históricos teriam uma simples explicação.
A mentira que tiver mais evidências ou repetições tem grande probabilidade de se tornar "a" História oficial no final...
Sim, mas não é para ficar batendo no conceito do que seria ou não História que estou escrevendo esta nota.
Não, é sobre outra coisa que aqui pretendo pensar: a capacidade dos livros falarem conosco.
Pois foi Virgínia Woolf quem aconselhou as mulheres a lerem coisas escritas por outras mulheres, já que parece ser baixa a probabilidade de encontrarmos em livros escritos por homens respostas para questões do universo não-masculino.
E foi exatamente isso o que eu senti ao ler este livro.
O narrador conta a história do seu relacionamento com uma mulher bem mais velha do que ele.
Eles se conheceram quando ela já tinha duas filhas adultas e ele ainda não tinha completado dezenove anos.
Dá a entender que ele, implicitamente, joga para cima dela a culpa por muitas coisas.
E daí que, ao terminar de ler este livro, fiquei morrendo de curiosidade para conhecer a versão dela para a história desse relacionamento.

Não sei muitas coisas sobre Julian Barnes, este é o primeiro livro dele que eu leio. E comecei a ler porque o título me chamou a atenção, porque eu sabia que tinha toda a pinta do texto caber na classe de "narração não confiável" e, tecnicamente falando, me interesso muito pela forma como esse tipo de texto e narração é construído.

Bem, pode ser que numa releitura eu venha a identificar outros pontos que valham a pena ser apontados. Foi um texto que me causou um certo incômodo e curiosidade ao mesmo tempo, o que, por si só, já é um sinal de que o texto tem substância e que o que ele revela numa primeira leitura é apenas a ponta de um grande iceberg.

Fica a dica então para os exploradores de plantão!

Julian Barnes, Die einzige Geschichte, editora Kiepenheuer & Witsch.



© 2014-2020 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

domingo, 1 de março de 2020

Curtas Histórias - Minicontos - Beatriz Mecking

























Minha história (não tão curta) com este livro

Este livro foi publicado em 2014 e sei que ele chegou às minhas mãos algum tempo depois da publicação. Não sei bem em que data o recebi, mas sei que foi num período turbulento na vida do Brasil, e do mundo. 

Hoje eu busquei este Ebook no meu computador e o li em poucas horas pensando, sobretudo, no que aconteceu no mundo de 2014 para cá, pensando naquilo que me levou a substituir cada vez mais o que eu queria ler por coisas que eu tive que ler nos últimos anos. 

A Democracia no Brasil começou a receber ataques cada vez mais abertos a partir de 2014, com a gestação de um golpe branco que levou ao impedimento da presidente Dilma Roussef, por conta de um suposto crime de responsabilidade. Este momento da história do Brasil está registrado no documentário Democracia em Vertigem, de Petra Costa.

De 2018 para cá o que se tem vivido no Brasil só pode ser descrito como um caos ou a mais pura distopia. Até Goebbels já foi ressuscitado em pronunciamento nacional por membros do atual governo, para os que disserem que estou exagerando.

Foi por isso que eu demorei tanto a retornar a este livro de contos. 

E ao retornar a este Ebook hoje, tive o prazer de me encontrar com as anotações que eu havia feito em leituras anteriores. Pude também refletir sobre os efeitos que os acontecimentos dos últimos anos (em todo o mundo) tiveram nos meus projetos de vida e leitura. 

Nos últimos anos fui obrigada a me enfiar em leituras de livros que tratam de sociologia e politica. Li e reli distopias e uma série de outros livros que me ajudaram a entender o turbilhão pelo qual estamos passando mundialmente. 

Hoje, como um bálsamo, deixei tudo de lado e voltei a este singelo livro de minicontos. Os contos deste livro de Beatriz Mecking são mínimos só no tamanho, mas as mensagens em cada um deles são as mais profundas, as mais tocantes. 

Bom foi ver na releitura do volume que voltei a me emocionar com as mesmas passagens que eu já havia marcado anteriormente no texto.

Uma delas, na época em que foi escrito, apenas retratava o que Jessé Souza muito bem explica em seu livro A Elite do Atraso, texto que revela que o motivo da "revolta" das classes mais abastadas contra o governo de Dilma Roussef nunca foi "só contra a corrupção", como alardeavam. 

A corrupção, aliás é o que menos conta no Brasil de hoje, dado que agora se encontra no poder um grupo de pessoas que estão envolvidas até o pescoço em denúncias de corrupção e milícia, e nada é feito contra elas, apesar das provas e evidências mais do que claras. 

Elas continuam lá, em seus postos, intocáveis. E lá continuarão enquanto estiverem satisfazendo aos interesses daqueles que ganham muito dinheiro com o caos que hoje impera no Brasil.  

O motivo da "revolta" foi bem outro, um que a sociologia parece já ter compreendido, um motivo que também aparece, sem que pretendesse servir como registro histórico, num dos minicontos do livro de Beatriz. Ei-lo:

Minha namorada não chegou muito animada da temporada de férias. "Sabes aquela praia do lado esquerdo da orla, que eu adorava? Agora está imprópria para uso." "Poluída?" "Não, a ralé tomou conta." Aquela vaga impressão, que ultimamente me acompanhava, de que ela não era bem o que eu supunha, aflorou bruscamente. Não fiz comentários, não havia necessidade.

Sim, basta ler este miniconto para concordar com o que também observou Jessé Souza em seu livro A Elite do Atraso

Mas não só de contos que tratam da temática social vive este livro. A maioria são contos que tratam de histórias vividas por pessoas mais velhas que, após terem construído uma vida relativamente bem estruturada, se sentem impelidas a tomar coragem para uma mudança radical, sobretudo mulheres que relatam suas histórias vivendo sob o patriarcado.

Este livro vive de contos que tratam dos mais diversos tipos de relacionamento, das descobertas do amor pela literatura e pelo prazer de escrever, vive de contos que tratam do processo de escrita, do surgimento da inspiração. 

Um dos meus contos preferidos neste volume se chama A Principiante, e conta a história de uma moça que queria ser escritora e de uma experiência que só reforçou a sua convicção no caminho escolhido. 

Bem, é isso. 
Trata-se de uma história não tão curta, porque sei que ela continuará. Cada texto que eu leio sai do papel ou dos Ebooks e passa a fazer parte de mim, do que sou, da minha história com os livros que leio, que escrevo, que reviso, enfim: passa a ser mais um dos contos que me compõem!

Querida Beatriz Mecking, desculpe a demora de anos por este comentário. Muito obrigada por ter me enviado este Ebook e por tê-lo escrito com tanta competência e sensibilidade.

Se você sentiu curiosidade para ler este livro e não o encontrou para comprar, entre em contato com a autora ou com a editora. Imagino que eles poderão informar as formas de ter acesso a este livro.


Curtas Histórias - Minicontos, de Maria Beatriz Costa Mecking, editora Alternativa, 2014, 96 páginas. 


© 2014-2020 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.