sábado, 23 de outubro de 2021

Schön wie die Acht, Nikola Huppertz




















Foto: Helena Frenzel



Schön wie die Acht (Linda como o Oito), Nikola Huppertz


Falo de livros na esperança de despertar em alguém o interesse por eles. Escrevo sobre livros para registrar as diferentes experiências que vou tendo com eles ao longo da vida. O livro da vez é Schön wie dia Acht (Linda como o Oito), de Nikola Huppertz, editora Tulipan, 2021, segunda edição, ainda sem tradução para o português (até o momento em que escrevo este texto). Esse livro foi finalista do Deutsch-Französisch Jugendliteratur Preis (Prêmio Franco-Alemão de Literatura Juvenil) de 2021.


Malte é um adolescente de doze anos que adora números e está se preparando para participar de uma olimpíada (de matemática) como representante de sua escola. Tudo caminhava de maneira "lógica" em sua vida até que Josefine, sua irmã mais velha por parte de pai, vem morar com a família, enquanto a mãe dela está internada numa clínica se tratando de um câncer. A chegada de Josefine altera tanto a rotina da família, já que ela passa a frequentar a escola que Malte frequenta, como a paz que parecia reinar na casa, já que sua presença conflituosa ameaça trazer à tona coisas que os pais de Malte preferiam manter esquecidas, coisas que podem alterar inclusive a relação deles com o filho. 


Para bagunçar ainda mais a  equação emocional do protagonista, aparece Lale, uma adolescente de uma outra escola que também vai participar da olimpíada e começa a frequentar o grupo de preparação na escola dele. Uma certa concorrência surge entre os dois, mas não só isso, também sentimentos com os quais Malte ainda não sabe lidar, coisas totalmente fora do seu "domínio", novas e incontroláveis variáveis. 


A única certeza de Malte é que Lale é inteligente e linda como o número oito. Não bastasse tudo isso, ainda vem a professora de alemão com essa história de "poemas" e o desafio de sua "interpretação", essas bobagens…  O que matemática tem a ver com amor, verdade e poesia? Ler esse livro é uma forma prazerosa de descobrir. A narrativa, do ponto de vista de um protagonista adolescente do sexo masculino, nos ajuda a compreender que o amor, e tudo o que se relaciona ao desenvolvimento emocional, é uma necessidade de todas as pessoas, independente do sexo ou do gênero.


A autora, Nikola Huppertz, tendo estudado música e psicologia, bem como tendo construído já uma carreira sólida na arte de escrever prosa e versos para o público infantojuvenil, consegue reunir nessa história, numa costura muito bem feita, a magia da matemática, o encanto da poesia e a forma racional de lidar com as imperfeições humanas, tudo isso coroado com a magia das descobertas, tanto adultas quanto adolescentes, uma capacidade que não deveríamos deixar de desenvolver nunca, seja em que fase da vida estivermos.


Uma leitura que recomendo muito, muito mais pelo prazer do texto que por qualquer outro motivo, qualquer outra característica que nos leve a pensar na beleza dos números, sobretudo na do número oito, com seu ar de "infinito". 


Schön wie die Acht, Nikola Hupppertz, editora Tulipan, 239 páginas.



© 2014-2021 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Grita, María Fernanda Ampuero


Este pequeno volume nos revela, página por página, o que pode acontecer quando ensinamos as meninas a se calarem e a aceitarem, com caras sorridentes, tudo o que com elas fazem. 


Não te cales, menina, grita!


Um conjunto de relatos que todo mundo deveria ler.





Foto: Amazon







Grita, María Fernanda Ampuero, Penguin Editorial, 57 páginas.






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quarta-feira, 9 de junho de 2021

Sofia de los presagios, Gioconda Belli

Ler para romper os círculos. Sim, é para isso que ela lê.


Ela já nem sabía como havia adquirido aquele livro. Ela sabia que ele havia vindo de uma biblioteca e, naquele momento, ao ler o carimbo de "maculado" na capa, pensou no destino que teriam os livros "maculados" nas bibliotecas, aqueles exemplares que não podem ou não devem permanecer no acervo por terem manchas ou imperfeições ou por já terem sido usados - e maltratados - muitas vezes. Talvez o carimbo "maculado" apenas sirva como uma proteção para que o livro não vá parar diretamente no lixo, podendo antes ser doado a leitores compulsivos como ela, por exemplo. E muito provavelmente foi isso o que aconteceu. Pouco importa como ela chegou ao livro, ou se ele é usado ou não, o fato é que ela e ele se encontraram em algum lugar no passado e ela acabou de ter com ele um tempo maravilhoso de leitura, uma experiência como poucas. 


Com cada livro ela tem uma história e com este em particular ela acabou de viver um momento deveras marcante. Aliás, muito se deve também às passagens marcadas que já se encontravam no exemplar, vestígios de outras leituras antes da sua. Um desses leitores ou leitoras, por exemplo, se preocupou em marcar as ocorrências da palavra "agora" no texto, e ela, em seu turno, ficou se perguntando o que teriam significado aqueles "agora" para quem, em sua leitura, os marcou, mas isto é algo que ela nunca vai saber, nem precisa. 


O livro do qual ela fala se trata de um exemplar de Sofía de los presagios, um romance de 1990 da nicaraguense Gioconda Belli. Ano passado, em 2020, ela já havia lido um dos romances da Belli, um dos mais recentes -  Las fiebres de la memoria -, uma leitura que muito a agradou e levou-a a querer beber mais e mais da fonte Belli.


Estava ela buscando outro livro em sua estante quando topou com o exemplar "maculado" que há tempos aguardava sua vez de ser manuseado. Com Harry Potter ela já aprendeu que os livros precisam ser acariciados antes de serem abertos, caso contrário eles mordem, e foi o que ela fez: acariciou a lombada, abriu o livro e começou a ler uma história cujo âmago é o veneno da rejeição, mas também uma fórmula para que possamos nos livrar dela, para que possamos romper os círculos que nos fazem mal. Sofía, a protagonista deste romance, é uma cigana que se desencontrou dos pais, quando criança, num vilarejo de bruxos, onde foi amparada e criada por um casal que não era de fato casal, mas que cumpriu com muita competência a função de pais. Ela não diria que o maior atrativo do livro está na história de Sofia propriamente, e sim na atmosfera do lugar e nos ritos ancestrais da deusa, no poder do feminino, no poder da Mãe Terra. 


Foi uma leitura que ainda está lhe fervilhando na alma, uma leitura que já cumpriu com a função de prepará-la para novas experiências e rituais. O círculo de abandono deste exemplar específico foi quebrado. Agora ele poderá seguir sua trajetória livre, tocando quantos corações se abram ao universo de suas páginas.





























Sofía de los presagios, Gioconda Belli, editorial vanguardia, 374 páginas.






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quarta-feira, 26 de maio de 2021

Kentukis, Samanta Schweblin

O plano era que fossem só três dias, mas ao final foram cinco. Não faz mal! Ela fez todos os exames requeridos e aproveitou o tempo para ler o livro que havia posto na bolsa que levara consigo ao hospital. Ela precisava se ocupar com outras coisas, pensar em outros temas e, como se sabe, ler é sempre o melhor remédio. O livro se chama Kentukis, da argentina Samanta Schweblin. 


Ela ouvira falar daquele livro, um romance, num programa da tevê alemã no qual quatro pessoas se reúnem de tempos em tempos para falar bem ou mal de livros. Se chama Quarteto Literário, o programa, claro, e um dos livros lá comentados foi Kentukis, da Samanta. Movida pela curiosidade, e também por seu interesse pelo tema, ela procurou o livro, achou e comprou. 


Estava o livro lá na cabeceira da cama antes que ela o houvesse posto na bolsa. Ela tem o hábito de ler antes de dormir, mas às vezes não consegue, de puro cansaço, ainda mais em tempos de teletrabalho ou home-office, esta praga que deu de consumir todas as horas livres que antes as pessoas tinham para viver. 


Sim, e o livro da Samanta trata exatamente disso: da relação que temos com a tecnologia e do quão ela impacta nossas vidas, em todos os sentidos. Os kentukis são uns bichinhos de pelúcia que possuem uma conexão com uma rede mundial, como a internet. Por trás de cada bichinho existe também uma pessoa, escolhida aleatoriamente para controlá-lo. Uma vez desfeita a conexão, esta não pode mais ser reestabelecida e o bichinho fica sem serventia, o que serve muito bem ao modelo compra-e-joga-fora


Os kentukis não falam, mas se movem e emitem grunhidos, e por meio desses movimentos e sons eles e seus usuários, chamados amos, chegam a desenvolver formas bastante criativas de se comunicarem. Os kentukis não falam, mas observam tudo, e gravam o que observam! Aliás, eles não, mas quem está por detrás deles, ou melhor: das câmaras. 


Por meio dos olhinhos dos kentukis o romance nos fornece recortes do dia a dia das pessoas que têm contacto com eles, bem como também de algumas das pessoas que estão por trás dos olhos deles. O livro trabalha, além da nossa relação com a tecnologia e a questão do afeto, também a questão do papel da arte em nosso tempo e em nossas vidas, bem como a questão de se ainda se pode fazer escolhas ou não. 


Só sei que ela gostou tanto do livro, tanto, que leu e releu logo em seguida, como se quisesse se assegurar de que não havia perdido nada por entre os olhos das criaturinhas. Assim como em O círculo, de Dave Eggers e Eu odeio essa internet, de Jarett Kobek, Kentukis também deu a ela amostras de que não, não há como escapar...  O que não significa, nem de longe, que não se deva continuar tentando.























Samanta Schweblin, Kentukis, Vintage Español, 2019.




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segunda-feira, 24 de maio de 2021

Rinha de galos, María Fernanda Ampuero

Não havia planejado. Entrou assim na livraria virtual para dar uma olhada nos títulos mais recentes da editora Moinhos. Ela sabe que os livros da Moinhos são sempre muito bons, ela conhece a qualidade do trabalho que eles fazem. Ela adora literatura latino-americana e sabe que, na Moinhos, sempre encontra um nome que ela ainda não conhecia e que vale muito a pena conhecer, e experienciar. Experienciar um autor ou uma autora é ter contato com algo que ele ou ela escreveu. Então, sem estar procurando, ela se deparou com Rinha de galos, da equatoriana María Fernanda Ampuero, baixou a prova do texto e começou a ler. Não conseguiu parar a leitura no fim da prova, comprou o livro na forma de e-book. Ainda bem que existem os e-books, caso contrário ela não teria como comprar um exemplar impresso - ela odeia a Amazon e tudo faz para não enriquecer ainda mais o monstro dono desse monstro - mas ainda bem que ela pôde comprar um exemplar em forma de e-book num site que ela odeia um pouco menos, embora o site menos odiado não se diferencie tanto de todos os demais que estão presos na cadeia do capitalismo e do comércio digital. Sim, mas caso ela não comprasse o e-book na loja menos ruim dentre as web-monstras, ela também não poderia ter podido comprar de outra forma. É que ela não vive no Brasil e, bem, os detalhes desse detalhe não importam. O que importa é que o livro é ótimo! É daquelas narrativas que te deixam sem fôlego, que não te permitem parar de ler em qualquer ponto ou sequer fazer uma pausa entre o final de um conto e o início de outro. Realmente o livro é muito bom, é impactante! Trata das violências a que os corpos feminizados são submetidos em todo o mundo, todos os dias. Trata das violências, mas também da resistência, nos dá um retrato da pobreza dos ricos nos países do capitalismo dependente, um tipo de gente que nada mais tem além do papel dinheiro, um tipo de elite podre que apesta pior que carniça, mas que usa perfume importado para tentar esconder o fedor.  O lugar mais perigoso para muitas pessoas é o próprio "lar", o lugar que pode ser pior que o inferno para muitos. É preciso ainda sensibilizar os ouvidos para poder ouvir os gritos amordaçados das vítimas, não apenas para poder se solidarizar com elas, mas, o mais importante, para saber como denunciar e combater essas violências tamanhas, essas violações cotidianas. Rinha de galos é uma coletânea de contos que, sei, vai ficar marcada por um bom tempo na memória dela. No final do livro ela encontrou uma referência para um livro de poesias da autora portuguesa Adília Lopes. A curiosidade se atiçou, será então a próxima pérola, também da Moinhos,  que ela colherá na livraria virtual. É, eu sei que a época não está para os prazeres, mas a leitura é daquele tipo de coisa que nos ajuda a sobreviver. Cada livro, cada texto, cada grito por justiça em forma de narrativa é como se fosse um cilindro de oxigênio que nos garante um dia a mais, um dia a mais, um dia a mais. Ela termina sugerindo que conheçam outros títulos da Moinhos e, sobretudo, outros títulos da María Fernanda Ampuero. A literatura, ela sabe, pode salvar o mundo. A literatura, ela sabe, e eu também sei, é o que nos salva.

























María Fernanda Ampuero, Rinha de galos, Editora Moinhos, 2020.




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quinta-feira, 20 de maio de 2021

Leituras 2020 - Parte XVII

A quinquagésima primeira leitura foi a do conto O Fim do Mundo, de Joaquim Manoel de Macedo (42 páginas). Um conto escrito em 1856, mas que segue atual e provoca boas gargalhadas. 


A quinquagésima segunda leitura foi a do texto autobiográfico Retrato del artista adolescente, de James Joyce (RBA Editores, 231 páginas). A tradução foi feita por um de meus autores preferidos: Dámaso Alonso. Este texto é um ótimo exemplo da técnica que nos mostra, em literatura, como falar das coisas sem citá-las. Uma das melhores leituras do ano!


A quinquagésima terceira leitura foi a de um artigo de 27 páginas sobre o livro cuja autoria eu não quis citar anteriormente. A autora do artigo tem um ponto de vista parecido ao meu sobre o livro: melhor que este texto continue esquecido fora do mundo acadêmico. Fica aqui só como registro, não faz falta comentar! :-)


A quinquagésima quarta leitura também não vale a pena citar título e autoria.


Já a quinquagésima quinta e a quinquagésima sexta leitura são uma pérola da Alejandra Pizarnik: Árbol de Diana e outros poemas. Poesia sempre me salva!


A quinquagésima sétima leitura do ano foi o romance A vida privada das árvores, do chileno Alejandro Zambra. Boa leitura, interessante.


A quinquagésima oitava leitura se passa também no cenário explorado por Karl Marx em O 18 de brumário, a França da época do golpe de 1848. Se trata do romance Las fiebres de la memória, de Gioconda Belli. O que mais gostei neste livro foram as referências históricas e a oportunidade de viajar, junto com as personagens, por um Panamá de antes que existisse o famoso Canal do Panamá. Gioconda Belli é uma escritora reconhecida e premiada, uma autora que todo o mundo deveria ler. E este foi o último livro lido em 2020, se é que posso confiar em minhas anotações. 


Resumo:


Em 2020 anotei a leitura de 58 obras. Trinta e uma dessas obras foram escritas por mulheres, vinte e cinco foram escritas por homens, uma delas foi escrita por uma pessoa trans e outra foi escrita por um coletivo. Assim que, em 2020, consegui ler mais obras escritas por mulheres do que por autores do sexo masculino, e consegui ler também uma obra escrita por uma pessoa trans, que muito serviu para me fazer enxergar coisas que eu ainda não conhecia, alargando assim, positivamente, meus horizontes. Diversidade é o que nos mantém vivos, sobretudo em tempos de pandemia e venenosas ideologias.  Salve a leitura, os livros e a diversidade!




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domingo, 14 de março de 2021

Leituras 2020 - Parte XVI

A quadragésima sexta leitura do ano foi a ótima coletânea de contos Dezessete Mortos, de Nikelen Witter (Avec, 158 páginas). Alguns dos contos se relacionam a lendas ou a figuras históricas da região Sul do Brasil. Nikelen Witter é historiadora, pesquisadora e autora de literatura fantástica da melhor qualidade. Tanto é verdade que, em 2020, ela foi finalista do Prêmio Jabuti com o apaixonante Viajantes do Abismo, livro que também já li e adorei. Dezessete Mortos explora em certa medida o mistério e o terror e foi uma leitura que me proporcionou muito prazer e fortes sensações. Ainda hoje carrego ecos de alguns dos contos deste volume em minha imaginação. Imperdível. Super recomendo!


A quadragésima sétima leitura do ano foi o ensaio juvenil Feminismus, de Juliane Frisse (Carlsen, 204 páginas). Um ótimo livro para se ler com meninos, meninas e menines sobre um tema essencial em nossas vidas. O livro se propõe a explicar o que é feminismo e por quê ele é tão necessário em nosso mundo. Um must


A quadragésima oitava leitura do ano foi a de um livro cuja leitura não pude deixar de fazer em tempo de pandemia. Se trata de A Peste, de Albert Camus (175 páginas). As épocas são diferentes, mas o comportamento humano segue um mesmo padrão. A ficção tem muito a nos ensinar, sempre! É por isso que, em tempos de crise, uma boa estratégia é enfiar a cara nos livros, olhar para o passado e aprender com ele, se é que queremos de fato construir um bom futuro. 


A quadragésima nona leitura foi uma dessas "positivamente super marcantes". Se trata do ensaio El género en serio, de Raewyn Connell (edição da UNAM, 245 páginas). Nunca antes eu havia tido a oportunidade de estar tão próxima da temática da transexualidade e das experiências de pessoas trans. Um livro que, certamente, me proporcionou uma visão mais ampla e inclusiva do mundo.


A quinquagésima leitura foi a de um livro de uma brasileira que também foi esquecida. Por conta da ideologia defendida no livro, creio que é melhor para o mundo que ela continue assim mesmo: esquecida :-). Exatamente por isso não a cito nesta lista de reflexão sobre as leituras do ano. No entanto, fica aqui o registro para contabilizar a experiência de leitura.





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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Leituras 2020 - Parte XV

A quadragésima primeira leitura do ano foi um ótimo encontro com o curioso O Mundo Resplandecente, de Margaret Cavendish (Plutão Livros, 241 páginas), publicado em 1666. Este texto é considerado a primeira utopia escrita (e publicada) por uma mulher no mundo ocidental. Só por isso já vale a pena lê-lo, mas o texto também é rico em questões que, bem exploradas, podem render discussões interessantes tanto para entender o pensamento da época, como para entender o pensamento contemporâneo em relação a muitos aspectos. Margaret Cavendish fez parte do círculo de mulheres intelectuais que ficou conhecido como As Preciosas, e cujas idéias contribuíram fortemente para o desenvolvimento do Iluminismo. Também foi a primeira mulher a poder participar da Royal Society of London. Vale muito a pena ler e conhecer esse mundo resplandecente, em que o poder está nas mãos de uma mulher que valoriza a diplomacia, a ciência e o conhecimento.  Fora esse romance, Margaret publicou vários outros textos. Vale muito a pena pesquisar sobre a biografia e a obra dela.


A quadragésima segunda leitura do ano foi o romance Serotonin - ou Serotonina, como foi traduzido no Brasil -  de Michel Houellebecq (Dumond, 335 páginas). Uma leitura que me incomodou bastante, e segue incomodando, em vários aspectos, até mesmo sob o ponto de vista estético no que tange ao uso de determinadas cenas na história. Pretendo deixar passar um tempo para poder relê-lo e então ter mais base para comentar algo a respeito. O romance toca em temas atuais super relevantes, sobretudo na questão da depressão e no sentimento de impotência ante o poder do Sistema e das grandes corporações. 


A quadragésima terceira leitura do ano foi o romance Eu mataria o presidente, de Adelaide Carraro. Esta leitura faz parte de um projeto de resgatar a obra de autoras brasileiras que foram intencionalmente esquecidas. Eu mataria o presidente trata da temática da adoção e dos maus tratos sofridos e testemunhados pela narradora num tipo de internato, bem como de aspectos históricos relacionados ao ano de 1932.


A quadragésima quarta leitura foi um relatório da ONG CIR sobre a situação de comunidades que dependem da exploração de matérias primas: Der Deutsche Rohrstoffhunger und reine menschenrechtlichen Folgen im Globalen Süden (44 páginas). Trata-se de uma leitura técnica para coleta de dados relacionados ao problema do extrativismo. Por conta das tragédias e crimes lá relatados, não poderia deixar de citar esta leitura também aqui, para fins de registro.


A quadragésima quinta leitura do ano foi o texto O Estudante, atribuído à autora Adelaide Carraro (113 páginas). Um texto com todas as marcas de propaganda de uma ditadura militar ufanista, o famoso discurso das pessoas que se denominam "cidadãos de bem". Não sei se este texto foi de fato escrito por Adelaide. Li para saber do quê se tratava. Fica aqui apenas o registro para, quem sabe, mais tarde, verificar se o texto de é de Adelaide e em quais circunstâncias pode ter sido escrito.  







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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Leituras 2020 - Parte XIV

A trigésima sexta leitura do ano foi o esclarecedor e super necessário Os engenheiros do caos. Como as fakenews, as teorias da conspiração e os algoritmos estão sendo utilizados para disseminar ódio, medo e influenciar eleições, do italiano Giuliano Da Empoli (Vestígio, 111 páginas). Leitura obrigatória para quem quer entender as estratégias usadas por grupos populistas e o fenômeno da ascensão da extrema direita.


A trigésima sétima leitura foi o conto Los que se marchan de Omelas, da maravilhosa Ursula K. Le Guin (28 páginas). Leitura mais que necessária, obrigatória! A Le Guin é maravilhosa. Ponto!


A trigésima oitava leitura foi o romance Uma mulher diferente, de Cassandra Rios (editora Brasiliense, 180 páginas), outra brasileira cuja história foi intencionalmente apagada e esquecida. Uma mulher diferente me permitiu um encontro impactante com o mundo das pessoas trans. Uma das melhores leituras do ano, não só pelo texto em si, mas muito mais pelo que ele simboliza na História, e também pelo que nos permite experimentar durante a leitura.


A trigésima nona leitura foi o ensaio O Direito à Literatura, do mestre Antonio Candido (26 páginas). Recomendação de um dos blogs de literatura que acompanho no Youtube: Las hojas muertas y otras hojas, de Nicolas Neves. Alargar os horizontes é sempre uma boa pedida.


A quadragésima leitura do ano foi o maravilhoso La vuelta de turca, de Henry James (218 páginas). Leitura maravilhosa! Um prazer e, ao mesmo tempo, uma aula não intencional sobre técnica narrativa.  Terminei a leitura com muito mais dúvidas do que certezas, e foi exatamente isso que me fez amar este texto. Sem dúvidas, uma das melhores experiências de leituras do ano.




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quinta-feira, 18 de fevereiro de 2021

Leituras 2020 - Parte XIII

A trigésima primeira leitura do ano se trata do imperdível romance La mano izquierda de la oscuridad, de Ursula K. Le Guin (Booket, 331 páginas). Ambientado em outro planeta, este romance dá a quem o lê a oportunidade de vivenciar, de uma forma bastante intensa e maravilhosamente literária, vários aspectos relacionados ao conceito de gênero e a outras categorias igualmente importantes, como aquelas que atingem as pessoas radicalizadas, por exemplo. Eu ainda não havia lido um texto literário que tratasse o gênero de maneira tão bem sucedida. Se termina de ler o livro e as questões ficam martelando, promovendo no cérebro as mudanças de perspectiva tão necessárias para que se consiga, finalmente, desconstruir as milhares de caixinhas nas quais nos enquadramos ou tentam nos enquadrar. Sem dúvida, uma leitura essencial na minha jornada de compreensão do mundo e das diferentes categorias que determinam nosso modo de ser, estar e agir neste mundo de desigualdades entre os seres.


A trigésima segunda leitura se trata da obra O 18 de Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx (Editora Boitempo, 174 páginas). Em pleno século XXI nota-se que cada vez mais pessoas usam os termos "comunismo" e "socialismo" com significados totalmente equivocados, como se fossem espantalhos. Tudo o que se diz ser contra o capitalismo ou o que se chama "conservador" é chamado por muitos de "comunista". Exatamente para reagir a esses espantalhos, vi-me impelida a estudar a obra de Karl Marx. Seguindo dicas de especialistas em Marxismo, comecei minha jornada pelo 18 de Brumário, uma análise dos acontecimentos na França que levaram ao golpe promovido por Luís Bonaparte em 1848 e ao que Marx chamou de Bonapartismo. A escolha não poderia ter sido melhor, principalmente para quem está buscando entender fenômenos tais como Trump-Trumpismo, Bostanaro-Bostanarismo*, o italiano Mãos-Limpas e o brasileiro Lava-Jatismo, a ascensão da extrema direita em âmbito global. Leitura mais do que necessária para quem quer de fato entender o saco de gatos no qual agora nos encontramos.


* "erro" proposital.


A trigésima terceira leitura foi uma tentativa de me aproximar da História do Feminismo sob o ponto de vista de uma autora alemã. Ute Gerhard, Frauenbewegung und Feminismus. Eine Geschichte seit 1789 (editorial C.H. Beck, 128 páginas). Uma leitura rápida, agradável e, sobretudo, muito informativa.


A trigésima quarta leitura foi um dos melhores encontros literários que tive no ano de 2020. Trata-se do livro Hospício é deus, diário de Maura Lopes Cançado (Círculo do Livro, 189 páginas). Considerada louca e desequilibrada, Maura foi silenciada e teve sua obra praticamente esquecida. Ao ler este livro, pude compreender como a lucidez, a extrema sensibilidade e o desejo de ser livre e viver como se deseja ameaçam tirar o poder do patriarcado. Justamente por isso, toda e qualquer rebeldia precisa ser punida neste sistema. No livro de Maura se vê como a repressão às mulheres e à sua liberdade se mascara de pseudo-tratamentos contra a loucura e outras supostas doenças mentais. 


A trigésima quinta leitura foi o excelente conto Um Marciano em Roma, de Ennio Flaiano (4 páginas). Este conto descreve o mesmo fenômeno descrito por aquela canção do Gil, A novidade. O conto do Ennio é imperdível, e as canções do Gil também!






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terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Leituras 2020 - Parte XII

A vigésima sexta leitura do ano foi o romance Sorte, de Nara Vidal (Editora Moinhos, 142 páginas). Este livro venceu o Prêmio Oceanos de 2018, o que aguçou minha curiosidade de lê-lo. Sorte me agradou bastante e certamente me levará a outros textos de Nara Vidal. Em tempo: a Moinhos é uma editora (ainda) pequena e é dona de um catálogo seleto e bem cuidado. A linha editorial é mais voltada para a publicação de autoras e autores da América Latina. Vale muito a pena a leitura de outros títulos tanto da Moinhos quanto do romance Sorte, de Nara Vidal.


A vigésima sétima leitura do ano foi uma biografia de Jenny Marx. Há alguns anos visitei uma exposição sobre Karl Marx na cidade de Trier, na Alemanha, e lá encontrei este livro: Jenny Marx. Die rote Baronesse, do autor Ulrich Teusch (Rotpunktverlag, 229 páginas). Terminei de ler este ensaio biográfico com a certeza de que Karl Marx não teria sido nem a sombra de quem foi se ele não houvesse jamais conhecido Jenny e, mais importante: se não pudesse ter contado com o intelecto e a colaboração dela em todos os sentidos. Nunca foi tão verdadeira aquela frase: Por trás de um homem que se apresenta como forte, sempre existe uma mulher ainda mais forte. Basta termos os meios e a vontade de ir atrás dos registros históricos para comprovar.


A vigésima oitava leitura do ano foi o romance Úrsula, escrito pela maranhense Maria Firmina dos Reis (Edições Câmara, 136 páginas). Maria Firmina é a primeira escritora negra da qual se tem notícia no contexto da literatura brasileira. Úrsula foi publicado em 1859 e tematiza a escravidão de pessoas negras, a opressão e a violência contra mulheres no Brasil do século XIX. O primeiro capítulo é de tirar o fôlego e nos faz perguntar como é possível que escritos de mulheres talentosas como Maria Firmina sigam desconhecidos e/ou esquecidos do grande público. Precisamos mudar isso urgentemente! Em tempo: os textos de Maria Firmina já se encontram em domínio público.


A vigésima nona leitura do ano foi a novela gráfica Die Drei Leben der Hannah Arendt, (As três vidas de Hannah Arendt) de Ken Krimstein (Editoral DTV, 243 páginas). Uma forma prazeirosa de saber um pouco mais sobre os detalhes da vida e da obra desta grande filósofa. Uma das melhores leituras do ano!  


A trigésima leitura do ano foram o excelentes quadrinhos feministas de Liv Strömquist, I’m every woman (Avant-Verlag, 110 páginas). Liv é uma das minhas autoras preferidas. Ela tem formação em Estudos Culturais, então os quadrinhos dela são sempre uma aula rica e divertida, de cunho feminista, sobre os assuntos mais variados. Em seus quadrinhos anteriores Liv já desvendou os mistérios da vulva e desconstruiu mitos em torno da menstruação (Der Ursprung der Welt - A Origem do Mundo), do amor romântico (Der Ursprung der Liebe - A Origem do Amor). Em I’m every woman Liv trata de mulheres que viveram à sombra de supostos grandes homens (tais como Jenny Marx, Priscilla Presley, Yoko Ono, para citar só umas poucas). Os quadrinhos de Liv são sempre um deleite de desconstrução e um show de informação ao mesmo tempo.






© 2014-2021 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Leituras 2020 Parte - XI

A vigésima primeira leitura do ano foi um conto chamado Um conto de natal, de China Mieville (20 páginas). Um ótimo conto! Está disponível no site da Boitempo.


A vigésima segunda leitura do ano foi o excelente texto Las sin parte - Matrimonios y divórcios entre feminismo y marxismo, da autora italiana Cinzia Arruzza (158 páginas). Uma leitura super útil e interessante, que muito me ajudou a compreender - principalmente de um ponto de vista histórico -, por que os movimentos marxistas e feministas não conseguiram convergir em suas pautas, e por que ainda seguem divergindo quando deveriam estar unidos na luta contra todos os tipos de opressões. Claramente se trata de um texto super necessário, uma das melhores leituras do ano.


A vigésima terceira leitura foi o livro Pequeno Manual Antirracista, da filósofa e pesquisadora Djamila Ribeiro (Cia das Letras, 52 páginas). Nunca foi tão urgente falar sobre racismo. Leitura mais do que necessária!


A vigésima quarta leitura do ano foi o ensaio Ur-Fascismo (O Fascismo Eterno), de Umberto Eco, 18 páginas. Nunca um ano me exigiu tantas leituras para compreender a realidade e as ameaças do extremismo quanto 2020… Um texto mais que necessário!


A vigésima quinta leitura do ano foi o livro Mulheres e caça às bruxas (Editora Boitempo, 151 páginas), da maravilhosa Silvia Federici. Quanto mais leio os escritos da Federici, mais claras vão ficando para mim as relações entre capitalismo, opressões e gênero na contemporaneidade e ao longo do tempo, e melhor consigo entender os motivos de tanta violência (em escala global) contra as mulheres. Uma leitura mais que essencial!







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