quarta-feira, 26 de maio de 2021

Kentukis, Samanta Schweblin

O plano era que fossem só três dias, mas ao final foram cinco. Não faz mal! Ela fez todos os exames requeridos e aproveitou o tempo para ler o livro que havia posto na bolsa que levara consigo ao hospital. Ela precisava se ocupar com outras coisas, pensar em outros temas e, como se sabe, ler é sempre o melhor remédio. O livro se chama Kentukis, da argentina Samanta Schweblin. 


Ela ouvira falar daquele livro, um romance, num programa da tevê alemã no qual quatro pessoas se reúnem de tempos em tempos para falar bem ou mal de livros. Se chama Quarteto Literário, o programa, claro, e um dos livros lá comentados foi Kentukis, da Samanta. Movida pela curiosidade, e também por seu interesse pelo tema, ela procurou o livro, achou e comprou. 


Estava o livro lá na cabeceira da cama antes que ela o houvesse posto na bolsa. Ela tem o hábito de ler antes de dormir, mas às vezes não consegue, de puro cansaço, ainda mais em tempos de teletrabalho ou home-office, esta praga que deu de consumir todas as horas livres que antes as pessoas tinham para viver. 


Sim, e o livro da Samanta trata exatamente disso: da relação que temos com a tecnologia e do quão ela impacta nossas vidas, em todos os sentidos. Os kentukis são uns bichinhos de pelúcia que possuem uma conexão com uma rede mundial, como a internet. Por trás de cada bichinho existe também uma pessoa, escolhida aleatoriamente para controlá-lo. Uma vez desfeita a conexão, esta não pode mais ser reestabelecida e o bichinho fica sem serventia, o que serve muito bem ao modelo compra-e-joga-fora


Os kentukis não falam, mas se movem e emitem grunhidos, e por meio desses movimentos e sons eles e seus usuários, chamados amos, chegam a desenvolver formas bastante criativas de se comunicarem. Os kentukis não falam, mas observam tudo, e gravam o que observam! Aliás, eles não, mas quem está por detrás deles, ou melhor: das câmaras. 


Por meio dos olhinhos dos kentukis o romance nos fornece recortes do dia a dia das pessoas que têm contacto com eles, bem como também de algumas das pessoas que estão por trás dos olhos deles. O livro trabalha, além da nossa relação com a tecnologia e a questão do afeto, também a questão do papel da arte em nosso tempo e em nossas vidas, bem como a questão de se ainda se pode fazer escolhas ou não. 


Só sei que ela gostou tanto do livro, tanto, que leu e releu logo em seguida, como se quisesse se assegurar de que não havia perdido nada por entre os olhos das criaturinhas. Assim como em O círculo, de Dave Eggers e Eu odeio essa internet, de Jarett Kobek, Kentukis também deu a ela amostras de que não, não há como escapar...  O que não significa, nem de longe, que não se deva continuar tentando.























Samanta Schweblin, Kentukis, Vintage Español, 2019.




© 2014-2021 Helena Frenzel. Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons - Atribuição - Sem Derivações - Sem Derivados 2.5 Brasil (CC BY-NC-ND 2.5 BR). Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito à autora original (Para ter acesso a conteúdo atual aconselha-se, ao invés de reproduzir, usar um link para o texto original). Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

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