sexta-feira, 24 de abril de 2020

Glitter - Bruno Ribeiro

























Ainda não havia terminado de ler este romance quando deixei um comentário na pagina do autor lá no facebook. Eu queria saber como ele havia chegado à ideia ou às ideias que deram origem a Glitter.

Ele, muito gentilmente, respondeu-me que, em 2012, sentiu necessidade de escrever algo sobre a sociedade contemporânea. Para fugir do lugar comum, escolheu um recorte do mundo da moda, mundo que ele conhecia muito bem. O processo de mergulhar num delírio sobre o mundo contemporâneo foi, para ele, um processo muito interessante.

Eu, de minha parte, digo que a leitura deste texto foi uma experiência bastante original. Eu nunca havia imaginado um "evento" como aquele descrito em Glitter.

Não é um texto palatável, já digo, mas é um texto necessário, um texto que serve como testemunho do nosso tempo.

Em primeiro plano, Glitter traz um retrato dos bastidores do mundo da moda. Em segundo plano, revela um retrato muito detalhado dos sentimentos que regem o nosso tempo: um desejo constante de autodestruição, algo que ainda não veio completamente à tona e que por isso é difícil de entender e de explicar. Para mim, este texto revela, sobretudo, a psiquê de uma parcela dos brasileiros (e de outros povos). Para entender o que está acontecendo hoje em dia no cenário político e social brasileiro (também mundial), esse livro é uma leitura obrigatória. Boa parte dos tabus estão ali retratados: os recalques, as neuroses, a mentalidade... As marcas do racismo, do colonialismo, da misoginia, do machismo, da homofobia e da influencia negativa da religião é algo que salta aos olhos.

Glitter explora o kitsch e o grotesco - na mídia e no mundo da moda - e o faz com o claro propósito de "reproduzir" da maneira mais escancarada possível uma realidade que já passou - e muito! - do que se costumava qualificar de "bizarro". Eu não tenho adjetivos para qualificar o que vejo na sociedade atual. Novos adjetivos precisam ainda ser inventados.

Para entender um pouco melhor o conceito de kitsch e grotesco, sugiro este vídeo no youtube.
Este vídeo aqui também é muito interessante para entender a relação do kitsch com a contemporaneidade.

Ao ler Glitter, tive a sensação de estar assistindo a uma mistura de O Labirinto do Fauno (Guillermo del Toro), Balada do Amor e do Ódio (Álex de la Iglesia) e Jogos Vorazes (Suzanne Collins), para citar só algumas referências. É uma narrativa cheia de monstros, monstros humanos, monstros que falam de si e contam de nós.

Para quem estuda a estética relacionada à ideias de sujeira e/ou dejeto este texto precisa ser examinado com mais cuidado. E eu digo isso porque o motivo da "sujeira", do "asqueroso" e do "abjeto" se encontra com muita frequência nos textos contemporâneos, e em âmbito internacional, diga-se de passagem. Fica a dica então para quem está estudando a manifestação desses elementos na literatura contemporânea.

Outras obras contemporâneas que estão muito de acordo com os sentimentos de segundo plano revelados nas subjetividades de Glitter são Julho é um bom mês para morrer, de Roberto Menezes, Lauren, de Irka Barrios e Naufrágio entre amigos, de Eduardo Sabino. 


Bruno Ribeiro, além de escritor e roteirista, é formado em Escrita Criativa e dá oficinas sobre o tema.
Glitter foi finalista da 1a. Edição do Prêmio Kindle de Literatura e ficou entre os pré-selecionados do Prêmio SESC de Literatura 2016.


Bruno Ribeiro, Glitter, Editora Moinhos, 200 páginas.



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